15 de Maio 2023

A última vez que escrevei sobre os demônios da minha cabeça foi no dia 11, estamos a dia 17, a cabeça é a mesma mas os demônios escalaram para um nível que nem sei se consigo descrever. Se alguém ler isto vai pensar que sou uma pessoa completamente pirada, e sou um pouco, mas a maior parte do tempo tento ser uma louca saudável, mas hoje eu duvido de mim, dos meus pensamentos, das minhas memorias, da minha vida.

Dia 15 de Maio o meu avô morreu. Em 30 anos de vida perdi talvez 3 pessoas da minha família pela morte e era demasiado nova para entender, não doeu, não soube o que é luto, não me apercebi da transição. Desde adolescente fantasio de uma forma doentia de "como será perder alguém pela morte agora que iria lidar de forma consciente com o sentimento de perda" sempre "preparada" para esse dia e fazendo filmes na minha cabeça. Quem foi lendo os meus posts anteriores sabe que me afastei de tudo e todos que fizeram parte do meu passado de alguma forma negativa. 

Foi a forma mais saudável que encontrei em preservar a minha saúde mental, pois ao meu ver o meu passado foi demasiado toxico para o continuar a carrega-lo as costas. E fui seguindo com esse lema na minha vida adulta, afastei me de tudo que fosse toxico, algumas vezes de forma mais eficaz outras nem tanto mas, essencialmente tem sido assim que tenho lidado com o que me magoava.

Vivi com os meus avos maternos por cerca de 3 anos, e como em todas as outras situações da minha infância, a minha cabeça e as suas formas estranhas bloquearam a maior parte das memorias dessa altura. Isto é, as memorias do meu avô não eram tantas quanto a maior parte das pessoas têm, desde essa altura fui visitar os meus avos, sempre fui bem tratada e bem recebida mas da minha parte havia um estigma enorme pela pessoa que ele tinha sido para com os seus filhos. E por esse motivo não consegui compreender, porque que depois disso tudo a minha mãe tinha o desejo constante de la voltar e de o ver e "matar" saudades.

Não foi a tempo, nunca pensei na possibilidade, mas a verdade é que não foi.

Quando me ligou (a minha mãe) na segunda feira para me dar a noticia, a chorar desalmadamente, o meu mundo caiu, não imediatamente por ele, mas por ela. E o mais frustrante, é que não havia nada, NADA, que fosse dizer que iria acalma-la, e eu sabia. E num espaço de horas parece que todo um mundo me havia caído em cima. A primeira coisa mais bizarra que aconteceu é que parecia que estava num jogo e tinha desbloqueado o próximo nível, comecei a ter imagens (um aparte, enquanto estou a escrever isto mais coisas brotam na minha cabeça) memorias, de ir passear de carroça com o meu avô apanhar milho do campo, de ele me ter feito o baloiço que existiu por muitos anos, de quando me comprava gelados e chocolates.. Não era a pessoa mais carinhosa do mundo mas tentava, lá a maneira dele, nos últimos anos ouvi a voz dele umas quantas vezes, ouvi-o e sei que perguntava por mim várias vezes, mas nunca falei, não só porque doía mas também porque não tinha nada para dizer.

Durante 30 anos aprendi a ter tolerância 0 aos homens e os seus vícios, mas foi preciso ele morrer para perceber que apesar de todos os defeitos, era um ser humano imperfeito como qualquer um de nós. Não sou propriamente a pessoa mais espiritual de sempre mas meia hora antes de a minha mãe me ligar, eu vi uma sombra na porta do meu quarto, passou e seguiu, pensei que tivesse sido o Paulo mas ele estava na cozinha, por norma tenho um medo danado desse tipo de coisas, fui ver o que era, e não vi nada, foi a hora que ele morreu e nada me tira da cabeça que foi ele humildemente dizer "adeus".

Chamem me louca, mas aos poucos tudo foi mexendo comigo de uma forma que nunca pensei, pouco depois o meu pai ligou me, chorava que nem uma criança, e também pela primeira vez vi-o de uma forma tão diferente, não senti ódio ou qualquer sentimento negativo, vi o como uma pessoa magoada pelas circunstâncias da vida, e mal tratado por todos porque a culpa de tudo era dele, senti me o  monstro da historia, senti me uma pessoa sem empatia pelo tempo que decidi que o mais fácil era culpá-lo e afastar-me, desejar nunca mais o ver. 

Aos poucos estou a chegar a conclusão que o ser humano tem formas muito duvidosas de lidar com qualquer coisa que aconteça na vida, estou a perceber que escolhi o caminho mais fácil de viver a vida ao distanciar me sem dó nem piedade de quem me magoasse, mesmo que essa não fosse por inteiro a intenção de qualquer pessoa que o tivesse feito, pois cada um se protege da forma como entende.

Hoje tudo dói, dói pela perda, dói pela minha mãe, dói por coisas do passado das quais me protegi com uma barreira a prova de tudo, dói por mim, dói porque não sei lidar com estes sentimentos novos, dói porque tinha a casa arrumada e agora não sei onde arrumar a nova tralha, dói porque sinto que estive errada, dói porque por mais pessoas que tenho a minha volta e que me apoiem sinto me sozinha no meio do caos que a minha casa é. Nunca consegui lidar com uma casa desarrumada, fosse no sentido literal ou imaginário.

Durante estes anos tive muitos ataques de pânico, criei muitos mecanismos de defesa em prol da minha integridade física mas ontem tive o ataque de pânico mais assustador de sempre. Não conseguia falar, respirar, beber agua ou comer, tinha vontade de vomitar e não conseguia mexer um único musculo no meu corpo, sentia a cabeça prestes a rebentar e todos os ossos a doer, estava meio sentada meio deitada, torta e por mais que quisesse não conseguia mexer-me, e veio a maior chapada de humildade mas também de amor, o meu namorado aos poucos conseguiu por me numa posição mais confortável até me acalmar. 

O pior de tudo é que se estou acordada e a escrever sobre isso, se tento manter a cabeça ocupada com o que quer que seja é porque estou a evitar entrar em "casa", estou a evitar o caos e a confusão porque sinto me perdida e sem saber o que fazer com esse tsunami de sentimentos e informação.

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